Por Renan Coradine Meireles

Estar à deriva, perambular em busca do desconhecido. Em meio a um deserto, descolorido de sentimentos, árido de homens humanos, milhares de eus, sem um lugar para existir, sobrevivem num emaranhado de formas geométricas. Altos blocos retangulares e pequenas formas regulares são enlaçados por extensas linhas que prendem almas e corações a vazios de concreto e vidro.

Um eu se destaca na multidão, solitário e intenso. Como existir um eu solitário na multidão? Eles existem. Estão ao nosso lado diuturnamente e quase sempre não os vemos. Não raras vezes desviamos o caminho para não encontra-los, mas quando a relação é inevitável, nos fechamos no mais íntimo refúgio e passamos, rapidamente.

Mas este eu nunca passa despercebido. Onde está implora por ser visto. Precisa ser ouvido, sua existência depende disto. Com um pequeno instrumento musical, faz arte, cantarola os mais diversos estilos musicais, de Carlos Gardel e Edith Piaf a Caetano Veloso e Tom Jobim. Faz muito com pouco. Longe da materialidade comprada com dinheiro, faz da vida uma existência musical.

Encostado nas paredes de mármore negro de um grande banco, no centro de uma cidade de pedras, transforma a solidão em sorrisos, o frio em gestos, a tristeza em música, a margem em centro. Seus dias prediletos são os sábados ensolarados, cheios de pessoas caminhando despropositadamente, buscando algo diferente, arte. Por estas pessoas nutre um sentimento estranho, de amor e inveja.

Durante os dias da semana se sente esmagado, entre a muralha de mármore e pessoas apressadas em seus carros, coloridos e caros. Seu corpo, grudado a parede, parece fundir-se a ela. Homens e mulheres, caminhando em ritmo acelerado parecem ter um objetivo certeiro e distante. Ele, ali no seu canto, invisível, também possui objetivos claros, mas muito próximos. Pretende viver até o próximo sábado, está sedento por encontrar aquelas pessoas estranhas, que andam lentamente, olham para os lados, ouvem sua música, dão-lhe moedas. Pessoas que o fazem existir, mesmo que momentaneamente.

Não sabe mais se o frio das noites de inverno ou o calor das tarde de janeiro lhe incomodam mais. Cada estação requer uma vida, um lugar diferente, uma sombra ou um abrigo. Os dias chuvosos são péssimos. Aquelas pessoas com sapatos lustrados e brilhantes passam ainda mais apressados, alguns correm fugindo das gotas. Homens com sapatos pretos e mulheres com sapatinhos de salto dão ao seu lugar um som diferente. A velocidade dos passos é dada pelo ritmo dos saltos batendo naquela calçada que nas noites frias é só dele.

Sente ele que estas pessoas que passam por ali são apenas metade do que poderiam ser. Têm cintura fina, pernas longínquas, pés calçando sapatos comprados com horas e horas de trabalho. Não é à toa que sente isso, cabisbaixo no seu recanto somente vê as pessoas da cintura aos pés. O olhar cansado não procura outras perspectivas, já está condicionado a olhar para baixo. O horizonte dele é rápido, curto, acaba ali na outra calçada.

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