Artigo para o Site da Granja, maio de 2021

 

Domingo próximo é o dia das mães. Justíssima homenagem como proposta, mas nos equivocamos um tanto na sua realização.

De verdade, este segundo domingo de maio pode ser o dia da Lúcia, da Maria, da Teresa, da Clara, da Carlinda… dia das várias mães. Infelizmente, se olharmos bem, não comemoramos as mães de fato, as mães no plural. Comemoramos e homenageamos uma única mãe, uma imagem de mãe ideal, uma mãe portadora de todas as extraordinárias qualidades que ligamos ao materno.

Basta ver as definições de mãe que circulam nesta época: mãe é amor incondicional, abnegação, força, entrega, proteção, dedicação… tudo em dosagens máximas, tocando a perfeição. Menos que isso não se conecta à mãe a ser homenageada domingo.

E, então, quantas de nós, mulheres que nos tornamos mães, não somos cobradas e não passamos a exigir de nós mesmas essas qualidades tão formidáveis? A conexão perfeita com os filhos na gestação, o parto mais natural, as relações mais incríveis ao longo de toda a vida, o amor… Obviamente aí não cabe nenhum cansaço, nenhum traço de egoísmo, desgosto, incômodo, madrugadas resmungantes, dores, tristezas pessoais. Limitações e inadequações nem pensar. Que dirá aquele desejo, que sem dúvida vai surgir, de estar novamente só e livre no mundo ao menos por algumas horas…

Mas será que para toda mulher que se torna mãe este é mesmo um acontecimento extraordinário e transformador? É possível encarnar todas as qualidades do materno de uma hora para outra na vida, ao simplesmente se tornar mãe?

A maternidade é tão infinitamente variada quanto o DNA, o formato das flores, o desenho das íris. Basta olhar. Algumas mulheres nem sequer desejam ter filhos. Outras não querem filhos biológicos. Outras maternam seus projetos, livros, bichos, plantas. E o fato é que quem materna sempre irá maternar com suas qualidades próprias, com significados particulares e sentimentos muitíssimo variados.

Isso porque, vale lembrar, o acontecimento da maternidade estará sempre situado em algum ponto de uma história pessoal, que obviamente inclui vários outros acontecimentos, um contexto com afetos, expectativas, sonhos, anseios diversos, esperanças e desesperanças, dores e delícias de uma existência já em andamento antes de você e de mim.

Quero contar que a mulher que se tornou minha mãe viveu a maternidade pela primeira e única vez aos 42 anos. Isso lá nos anos 60, quando era ainda menos comum e esperada uma maternidade tardia assim. Ela não gostava de cozinhar, mas costurava maravilhosamente. Quando eu nasci passou a fazer isso quase que só para mim, como tantas outras coisas da sua vida. Isso não era só sublime. Luz e sombra aí. Mas a gente devia se amar muito até virem as primeiras rupturas.

Lembro que quando aos 5/6 anos entrei no balé fiquei tão apaixonada pela minha professora que inventei uma história, que contava só para mim mesma, claro, de que ela é que era minha mãe de verdade e que minha mãe era só a minha avó. A professora bailarina era a imagem da mãe perfeita e irretocável, sempre amorosa, linda, feminina e… bailarina! Minha mãe suava pagando as contas, não tinha prazer de cozinhar, mas costurava roupas fofas, que eu realmente amei pelo menos até a adolescência. Daí começa outro capítulo. Quem não passou por ele, não é?

Essa história seguiu e segue por muitos capítulos de uma vida real, com aproximações e afastamentos, afetos de vários tipos, às vezes ambíguos, contraditórios, quase não conciliáveis, todos humanos, “comuns”, cabíveis a meu ver. É que a mãe que idealizamos vai-se encontrando com uma mulher real e esse encontro não costuma ser muito fácil, raramente vi um que fosse. Às vezes leva uma vida para permitirmos que ele aconteça.

Minha mãe já não está mais aqui neste mundo, mas sinceramente desejo ainda poder convidá-la mais inteira neste próximo domingo. Uma mãe com um nome e uma história própria, como tantas outras, como eu mesma me tornei.

Estas são as mães que podemos comemorar neste domingo de maio, as mães reais, aquelas que trazem junto – ou dentro, ao lado, por trás – suas Lúcias, Marias, Teresas, Claras, Carlindas, tantas histórias para além da maternidade. Podemos convidar todas elas para essa festa?

Que domingo possa ser um dia para as diferentes mães e também suas(seus) filhas(os) reais tornarem um pouco mais especial esse relação tão extraordinariamente cheia de aprendizados. Feliz dia das várias mães deste mundo!

 

Fotografia: Jade Beall

Iana Ferreira
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