Acendo um cigarro. Peço mais uma cachacinha. Deixo que ele atenda um freguês que compra bananas. Fico mexendo com o pedaço de chumbo. Afinal digo com a voz fria, seca: “Dou 200 pelo coleiro, 50 pela gaiola”.
O velho faz um ar de absoluto desprezo. Peço meu troco, ele me dá. Quando vê que vou saindo mesmo, tem um gesto de desprendimento: “Por 300 cruzeiros o Sr. leva tudo”.
Ponho minhas coisas no bolso. Pergunto onde é que fica a casa de Simeão pescador, um zarolho. Converso um pouco com o pescador de bigodes brancos, me despeço.
— O senhor não leva o coleiro?
Seria inútil explicar-lhe que um coleiro do brejo não tem preço. Que o coleiro do brejo é, ou devia ser, um pequeno animal sagrado e livre, como aquele menino da lenha, como aquele burrinho magro e triste do menino. Que daqui a alguns anos quando ele, o velho, estiver rachando lenha no Inferno, o burrinho, o menino e o coleiro vão entrar no Céu — trotando, assobiando e cantando de pura alegria.
Rubem Braga, em “Para gostar de ler”, volume I, Ed. Ática.
Imagem: ilustração antiga, anônima.
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