Oi, bonitona aí de cima!
Pois é, você não esperava nem escolheu mas vou aparecer daqui a alguns meses. Vou te fazer uma mulher mais feliz. Você vai me amar muito e eu também vou te amar.
No começo vai ser bem difícil, ninguém te falou nada sobre isto, não é mesmo? E você foi se apaixonar por um cara que tem idade pra ser seu pai. Eu sei, ele é charmoso, inteligente, culto, criativo etc. etc. Dá pra dizer também que parece nem ser deste planeta de tanta ideia futurista que ele tem. Vão chamá-lo no futuro de louco, gênio e até de asceta. Que figura te apareceu! Mas estou contente que serei a metade dele também.
Mas isto você não sabe ainda; continua apaixonada, insegura e assustada, muito normal para uma garota que saiu há pouco da adolescência. Coragem!
Percebi que você vai sempre na igreja rezar e pede pra ser uma menina, que você quer colocar o nome de um personagem de um romance russo que você leu. Pedido atendido!
Você adora ler e eu vou herdar isto, coisa bem boa! Já estou acumulando pontos! Sei também que vou herdar o seu amor pelos desfavorecidos e um pouco da sua compaixão. Vou invejar o seu amor pelas pessoas e principalmente (por isto irei te admirar eternamente) o seu não julgamento dos outros. Você gosta ou não gosta de alguém, não importa a condição dela, a cor, religião, se tem grana, nada, só a pessoa.
É raro encontrar gente assim e vou nascer de uma. Muita alegria que eu sinto.
Admiro a sua coragem de acolher esta coisinha que sou apesar do momento difícil que você vive, e admiro também o amor que você sente por este homem.
É muito bom saber que fui gerada com tanto tesão e amor. Vou ler um dia os bilhetinhos apaixonados que vocês deixavam um para o outro! Quando crescer vou receber também seus bilhetinhos declarando seu amor por mim e pela minha irmã (te prepara, daqui a dois anos vem outra).
Preciso te dizer uma coisa que já sei de antemão: a certeza do amor de vocês é que vai me dar suporte; quando no futuro eu estiver triste, saber que fui gerada no meio de uma linda paixão…
Tenho certeza também que vou ser a filha que você sempre desejou e que vou seguir os seus conselhos para estudar, ser independente e me jogar no mundão.
Vais colocar no mundo uma mulher curiosa e meio cigana, sempre em busca do que ela quer e precisa.
Só tem uma coisa chata por enquanto: sair daqui do seu útero quentinho e perfeito. Isto vai acontecer em fevereiro, numa segunda-feira de carnaval, noite clara e muito alegre. Vou carregar esta alegria na minha alma por toda a vida e irei alegrar pessoas e bichos.
Serei também uma eterna carente, como todos humanos que moraram no melhor lugar que existe, a barriga da mãe. Nós nos veremos em breve, assim que eu sair do seu mar.
Tchau então, respira, vai dar tudo certo, beijo grande.
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Nádia Guichon, 65, veterinária. Irreverente e divertida, talvez porque nasceu numa noite clara e alegre de uma segunda-feira de Carnaval, Nádia começou a escrever quase que por obrigação, mas também pela necessidade de amenizar a solidão, no colégio interno da infância. Junto com as cartas para a família – “sempre a lápis”, conta ela, “para as freiras apagarem e nos fazerem reescrever qualquer notícia ruim” –, descobriu também nessa época o encanto da biblioteca e o prazer com os livros. Disciplinada, apesar de achar que não é, por dez semanas nos presenteou com textos deliciosos, como o “Conversa com ela”, “Calcinhas tingidas”, “O anjo muçulmano”, “Atarxexes”. Esperamos que venham muitos mais.
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De agosto a outubro deste ano, a Entretexto promoveu a segunda edição do Lab10, uma oficina de escrita inteiramente online. Com dez participantes e duração de dez semanas, as atividades visavam especialmente o desbloqueio da escrita, criar espaço para um exercício de escrever com regularidade e também de troca com pessoas que tinham interesses afins. Em 2019 tem mais!
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