Atravessar o final do ano sem algum tipo de ansiedade é um desafio. A boa notícia é que é possível.

Infelizmente, ansiedade, além de uma certa melancolia ou outros sentimentos não muito agradáveis também costumam permear essa época do ano, justo o período em que coletivamente somos mais convidados a estar festivos, alegres e com espírito de comemoração. Se acontece com você, fique tranquilo/tranquila, porque você não está só. Muitas pessoas relatam que este é um período difícil de se atravessar, dizem que não gostam das festas de final de ano e chegam mesmo a preferir, se pudessem, evitar essa época, porque se sentem tristes, tomadas de recordações, ausências, faltas ou sentimentos não muito positivos, coisas que a agitação externa apenas agrava ainda mais.

Vamos entender um pouco por que isso acontece? Adianto que, se fizermos isso, perceberemos que pode haver sim alguns ingredientes a serem incluídos nas comemorações, nos presentes, nas comidinhas especiais e todos os ritos e costumes dessa época de festas e que podem transformar essas sensações ruins e, em especial, a ansiedade, a correria, os excessos e o estresse. Vamos pensar juntos a respeito?

Conta-se no budismo que uma vez uma pessoa perguntou a um mestre como ela poderia morrer bem, sem sofrer. O mestre respondeu simplesmente: “Vivendo bem”.

É este “pequeno” ensinamento que me serve de inspiração para falar sobre o tema deste artigo. Porque o final do ano é, afinal, uma pequena morte, o fim de um ciclo, um fechamento. E a questão é: nós não somos muito bons/boas com encerramentos. As coisas precisam estar muito ruins, mas muito ruins mesmo, para deixarmos que elas simplesmente terminem como precisaria ser. E olhem que sempre haverá tristezas e apegos e o laço do “queria que tivesse sido diferente” nos prendendo ao que já precisa ir, seja um relacionamento, um trabalho, uma parceria, um sonho e até uma fase da vida.

E não somos bons/boas com encerramentos simplesmente porque não descobrimos ainda como viver bem. Se tomarmos a resposta do mestre budista e a aplicarmos aos nossos encerramentos, vamos ver que o que nos leva a sofrer nessas ocasiões é que não conseguimos atravessar a vida ou as experiências de uma forma satisfatória. Então, o problema não é o fim do ano. É todo ele.

Hum… Desculpem-me se dei a impressão de ter aumentado o problema. Talvez a notícia pareça pior do que o imaginado, afinal, antes era só esperar essas duas ou três semanas de dezembro e janeiro passarem que toda ansiedade e infelicidade iriam embora e a vida voltaria ao normal. O problema que se coloca é: este normal é o melhor que podemos ter, é a essência do que pode ser nossa vida humana? Porque o normal talvez esteja sempre nos levando a finais de ano melancólicos ou excessivamente agitados – o outro lado da mesma moeda de uma vida sem qualidade –, e eles nada mais são do que a soma de pequenos ciclos insatisfatórios, não tão perceptíveis mas que colorem nossas experiências com tons que não são os que desejamos.

O fato é que não surgirá magicamente uma sensação de vibração e contentamento verdadeiros se atravessamos os dias sem conseguir gerar tal sensação, apenas engavetando problemas, tentando tapar todo tipo de sensação ruim com distrações, vícios e negações, projetando as raízes das nossas dificuldades nos lugares errados e vez ou outra celebrando de forma vazia. O final do ano é apenas a soma de dias, semanas e meses mal vividos assim. Com a lente de aumento de um período de balanço geral e comemorações, temos enfim que reconhecer que as coisas não caminharam tão bem.

Abro aqui um espaço para falar a quem verdadeiramente tentou encarar suas questões e também para quem enfrentou perdas difíceis. Se algo dói, e não importa muito qual é o tema com que lidamos, é porque ainda não alcançamos sabedoria a respeito da nossa história ou, de um modo geral, sobre como viver a vida. Então, o final do ano talvez traga sinais de que o caminho não terminou, há muito a fazer e a aprender, é preciso seguir e justamente é possível aproveitar o novo ciclo que virá para se fazer isso.

Se aceitarmos esses sinais que emergem, podemos até agradecer pelas pistas que eles nos trazem e encerrar bem o ano com abertura para o que virá!

O que acontece quando não aceitamos o ponto em que estamos é que nos envolvemos numa lista infindável de coisas por fazer e damos continuidade àquele estilo de vida que inclui distrações, negações, excessos, distorções, projeções e buscas errôneas, grandes peneiras para tentar tapar um sol ardente com seus buracos gigantes. Aqui é que toda ansiedade e estresse começam – mas também podem terminar, desde que reconheçamos os problemas que eles vêm intensificar.

Uma lista assim, quando se impõe, acaba por ser mais uma obrigação que se soma à obrigação de ter sido e ser feliz, de ter tido sucesso e realizar todas as coisas que supostamente todo mundo realizou: amor, amizades, saúde, dinheiro, conquistas de todos os tipos. Todo mundo? Todo mundo, de fato, é uma entidade que não existe. Assim como não há uma pessoa sequer no mundo que acumule todos os tipos de realização. Se entendermos isso, eliminaremos as comparações e expectativas fantasiosas e, por consequência, a pressa, a correria, a ansiedade enfim.

É muito bom entender que a vida pode ser imperfeita – e o é para todo ser vivo. Então, descobrimos a aceitação, um ingrediente especial, que pode ser enfim colocado com gentileza como nosso melhor presente de final de ano. Aceitação, ao invés de conformismo, significa abraçar a vida tal como ela é, poder reconhecê-la em suas perfeições e imperfeições, dialogar com ela, deixar de lado ilusões, expectativas e obrigações ditadas de fora, encontrar e vibrar com nossos verdadeiros anseios e também com o ponto do caminho em que nos encontramos. Aceitação é justamente saber qual é este ponto e que é preciso seguir em nossa jornada rumo a um bem-estar autêntico, é amar nossa caminhada, nossa história e cada passo que damos. Isso é possível.

Encontrando o ingrediente que realmente faz toda a diferença, simplificamos a lista de coisas por fazer, de presentes a comprar e providências a tomar para a ceia de Natal e para a virada do ano. Felicidade e bem-estar são estados internos. Coisas externas não tem o poder de gerar esses estados, a não ser de modo muito temporário e desde que as sementes já existam internamente. A sabedoria e a força do reconhecimento e da aceitação são fortes propulsoras da vida. E uma vida bem vivida, já dizia o mestre budista, é a chave para um bom encerramento.

Feliz vida e feliz final de ano. Que ele prepare um novo ciclo construtivo e bem vivido, que, por sua vez, preparará felizes futuros encerramentos neste nosso infindável percurso cíclico pela existência. Ótimo Natal e boa entrada em 2020 para todas e todos!

Imagem: Jeannie B

Iana Ferreira
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