Artigo para o Jornal d’Aqui, agosto de 2021

 

A palavra “expectativa” deriva do latim “expectare”, que tem o sentido de “à espera de”.

 

Criar expectativas sobre uma situação, como, por exemplo, uma viagem, um encontro, uma nova relação, novo amigo, novo curso, novo emprego é fato comum. Esperamos que a viagem seja divertida, que o encontro seja agradável – se for encontro romântico, esperamos mais: em geral, precisa ser incrível, com entendimento ótimo, admiração no nível máximo, prazer, desejo, interação, sexo impecáveis! Também esperamos que um novo trabalho seja muito positivo, rentável, prazeroso e tranquilo ao mesmo tempo.

 

É comum que situações novas e desconhecidas e também as muito almejadas gerem expectativas. No entanto, ser comum não é necessariamente ser bom e saudável nem a melhor forma de vivermos nossas vidas.

 

Vamos entender melhor o que são as expectativas? Segundo o Aurélio, há três significados: (1) situação de quem espera um acontecimento em tempo anunciado ou conhecido; (2) esperança baseada em supostos direitos, probabilidades ou promessas; e (3) estado de quem espera um bem que se deseja e cuja realização se julga provável.

 

Então, de fato a espera está aí. E se alguém combinou de ligar para você às três da tarde ou se naquela entrevista de emprego disseram que entrariam em contato dentro de uma semana, é natural ficar-se “à espera de”, à espera que essas coisas aconteçam. Se todas as quintas-feiras você faz happy hour com as(os) amigas(os), também haverá espera/expectativa de isso acontecer nesta semana e igualmente nas próximas. Se há probabilidade de chuva, esperamos que chova. E se está especialmente seco, espera-se ainda mais pelas águas que cairão do céu.

 

Pois aqui começa, então, uma parte não muito objetiva e que modula de forma determinante a expectativa, podendo até torná-la danosa: o tamanho do desejo. O quanto se deseja ou se imagina necessitar de algo, que pode ser um objeto, uma situação ou alguém, certamente determinará de forma significativa a expectativa criada e a experiência que teremos diante dela. Alie-se a isso uma percepção adequada, ou não, da probabilidade de que algo ocorra. Combinados esses fatores, poderemos viver as expectativas de uma forma mais ajustada e natural ou mais desequilibrada e estressante, envolvendo, nesse último caso, decepções, desilusões e frustrações.

 

Talvez um bom exercício seja observar o padrão das expectativas vividas. O que você mais comumente almeja? Companhia? Segurança? Vida familiar? Dinheiro? Que benefício você espera que essas “coisas” realmente tragam? O que, de fato, você almeja com elas? E mais: a probabilidade de alcançar costuma ser real? Você está dando os passos para que essas coisas se realizem? Tem clareza sobre tudo isso?

 

O problema maior com as expectativas é o que se oculta em suas sombras. Por trás da expectativa de um relacionamento, por exemplo, pode se esconder uma necessidade infantil de aceitação, cuidados, validação e amparo, além da incrível dificuldade dos tempos atuais de se estar só. Escondida na expectativa pelo dinheiro pode estar uma necessidade fantasiosa de autoafirmação e poder, além de todas as idealizações acerca da suposta felicidade que coisas materiais trazem.

 

Se ainda por cima as expectativas estiverem direcionando as procuras para lugares equivocados e a probabilidade de realização for pequena, tome sofrimento. As desilusões inevitavelmente virão.

 

Espera é natural. Chega mesmo a ser uma virtude quando se trata de algo como a paciência, aquele aguardo ativo, que tem a força e o equilíbrio de sustentar uma situação ou o tempo necessário para que algo se desenvolva ou aconteça. Já a espera contida na expectativa é bem diferente. Embora ela possa ser natural quando ajustada em sua intensidade e bem conectada com probabilidades reais, a expectativa contém o germe da desilusão ao nos arrastar para seu nevoeiro de fantasias e de sentidos ocultos. Se nos coloca em desconexão com a realidade, por exemplo, é estrada bem pavimentada para toda sorte de desencontros e conflitos internos e externos. Quantas expectativas colocamos nos filhos, em nossos(as) companheiros(as), numa parceria de trabalho, por exemplo? Aonde, em geral, essas expectativas nos levam?

 

E, afinal, a vida acontece principalmente onde não se espera, onde ela simplesmente é, naquilo que se vive de fato a cada momento. Viver o que se apresenta, como se apresenta e quando se apresenta e realmente estarmos conectadas(os) com isso também é uma disposição e uma habilidade necessárias e que deveríamos tornar natural. Talvez seja mesmo a maior habilidade a ser desenvolvida nestes tempos atuais, em que somos continuamente impulsionadas(os) para frente e adiante por expectativas de todos os tipos.

 

Imagem: Michelle Leman

 

 

Iana Ferreira
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