Recentemente perdi uma amiga querida que eu nem sabia que estava doente. Como teria sido bom mais alguns encontros, conversas e até falar sobre o que ela estava vivendo.

Num outro plano das experiências destes últimos dias, num curso, me deparo com o fato de que vários terapeutas – psicoterapeutas, terapeutas corporais e assim por diante – têm deixado de chamar as pessoas que atendem de pacientes, e estas se tornaram clientes.

Embora situações tão diferentes e tendo suas explicações e motivos próprios, para mim há um possível ponto em comum entre elas: a dificuldade de se olhar e assumir o sofrimento. Sofrer é ruim. Buscar ajuda e apoio também. Ser paciente de médico, de psicoterapia, da(o) fisioterapeuta, da(o) acupunturista etc. é algo que desagrada – e como! – ao ponto de muitas vezes ser um fato ou necessidade negada ou adiada.

Embora possamos preferir organizar nosso tempo, disposição, agenda, finanças para uma viagem, festa ou qualquer outro bom momento, enfrentar tarefas, desafios e não apenas prazeres é parte da experiência humana. Não saber como fazer isso e precisar de apoios diversos também.

É neste sentido que ser paciente eventualmente na vida com certeza é necessário. E bom. Vulnerabilidades, fraquezas fazem parte de qualquer um de nós. E paciência é virtude e não problema. Além de tudo, e isso é o que mais me surpreende, é uma mente muito forte e ativa, que precisa ser desenvolvida.

Então, sempre acho muito curiosa a opção que surgiu com algumas psicoterapias em meados do século XX, pós-nascimento da psicanálise e da terapia comportamental, de denominar “cliente” as pessoas que vinham buscar os consultórios dos novos terapeutas. A justificativa é que “paciente” tem a ver com passividade. Não posso entrar em contato com essa ideia sem me incomodar muito. Um paciente, mesmo aquele em estado mais grave no hospital, é agente ativo da sua cura. Quando a pessoa não quer mais e deixa a luta, definitivamente a vida não segue (ainda que não seja este o único fator envolvido no processo).

Em psicoterapia é o mesmo e talvez ainda mais. Alguém pode vir com toda regularidade ao consultório, mas pode não estar em terapia ou não deixar a terapia chegar a certos lugares se não quiser. E se quiser, precisará trabalhar ativamente para que isso aconteça! Terapia é um processo absolutamente pessoal e interno. O terapeuta apenas acompanha. Não é mágico, xamã, cirurgião nem nada disso. Oferece alguns olhares e, se fazem sentido, o paciente usa em sua jornada.

Além disso, etimologicamente está incorreto relacionar paciente com passividade. Vejamos: paciente vem do latim patientem ou patiens, o que sofre – não necessariamente de forma passiva! Paciência vem de patientia, que entre outros significados abarca o de resistência – temos visto quão ativa precisa ser esta disposição! – e de pati, sofrer, aguentar – de novo uma força eventualmente muito ativa! Também existe a proximidade com o termo grego pathos, que significa igualmente sofrimento, mas ainda paixão e experiência, tudo muito distante de qualquer atitude passiva.

Passivo, por sua vez, vem de passivus, que significa ser capaz de sofrer ou aguentar, mas que só ganhou o sentido de não ativo muito recentemente na história da humanidade.

E cliente… ah, quão mercantil isto é. Não consigo reduzir uma experiência tão rica e também complexa a uma contratação de serviço e o pagamento por ela.

Voltando à paciência, o budismo oferece uma linda compreensão sobre esta disposição interna, colocando-a entre seus treinos principais, uma das seis perfeições que o praticante deve desenvolver no seu caminho espiritual e, sendo assim, uma conquista avançada e cheia de desafios.

Mas as vantagens de desenvolver paciência são infinitamente compensadoras e servem para todos nós. Diz Geshe Kelsang Gyatso, um habilidoso mestre budista:

Sem este tipo de paciência [de voluntariamente suportar o sofrimento], desanimaremos sempre que encontrarmos obstáculos e sempre que nossos desejos não forem satisfeitos. Achamos difícil concluir nossas tarefas porque temos o impulso de abandoná-las assim que se tornam difíceis, e a impaciência que sentimos agrava ainda mais nossos sofrimentos. (…) Se pudermos tolerar adversidades, colheremos muitas recompensas.¹

Na verdade, transformar qualquer experiência de dor e frustração nas atitudes amadurecidas de compaixão, sabedoria e assim por diante é a essência de um caminho de transformação interna. E para isso precisamos estar ativamente envolvidos e confrontar e desafiar aquela tendência natural de desejar que coisas boas aconteçam magicamente e sem esforço. Este confrontar e desafiar tendências naturais e, na verdade, qualquer transformação definitivamente não são atitudes passivas ou de submissão.

Qual ser humano não experiencia algum tipo de anseio não realizado, frustração de expectativas, sentimentos ou acontecimentos que não deseja experienciar, inseguranças, obstáculos, sofrimento ou algo que pede mudanças? Imperfeições existem em qualquer vida humana e se tornam belas quando são aceitas. Também quando fazemos com que despertem as atitudes corretas em nós.

Paciência é uma das mais bonitas dessas atitudes. Ela é fundamental em qualquer situação que implique um processo: uma pintura, o desenho, a escrita, cozinhar, plantar, colher, crescer, tratar-se, curar-se, superar-se, desenvolver-se. Vida é sempre processo. E ser paciente – experienciar, ser afetado, afetar, tolerar ativamente – é parte dela.

Ótima semana de vida e de transformações pacientes para todos nós!

 

¹ Caminho alegre da boa fortuna, Geshe Kelsang Gyatso, Ed. Tharpa Brasil, 2005.

Imagem: Renan Coradine Meireles

 

Texto publicado no Jorna d’Aqui, Granja Viana, Cotia, SP, em setembro de 2019.

Iana Ferreira
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