Artigo para o Site da Granja, dezembro 2020

Há muitos entendimentos a respeito da ansiedade e seus correlatos, a angústia, o pânico e o medo. De toda forma, podemos dizer sem incorrer em erro que a ansiedade é, de um modo geral, uma espécie de visão distorcida e excessivamente direcionada para o futuro.

Na verdade, há várias distorções a respeito do tempo nos quadros de ansiedade, e essas distorções nos levam a mergulhar nesses estados de suspensão, aceleração, preocupação e muito desconforto, que nos roubam a possibilidade de desfrutar da vida e seus momentos preciosos.

Por exemplo, um dos grandes responsáveis na atualidade pela produção de ansiedade é que o nosso tempo é especialmente medido em tarefas que temos que cumprir. Socialmente somos exigidas(os) a fazer muitas coisas, quando não somos também demandadas(os) a realizar muitas tarefas ao mesmo tempo. Ou seja, precisamos fazer caber o que simplesmente não cabe no tempo que temos.

Tudo é também muito instantâneo e muda rapidamente, o que significa que uma escolha feita hoje, amanhã não será a melhor e a mais segura e isso nos levará a buscas incessantes por novas aquisições, mudanças e conquistas.

Fácil entender o mal disso quando pensamos nos objetos que fazem parte do nosso cotidiano. A máquina de costura, de escrever ou a geladeira que duravam anos conosco, nas versões de hoje, logo ficam imprestáveis e obsoletas. As tecnologias nunca perduram por muito tempo.

Nada de mal haveria nisso se significasse apenas progressos que conseguimos acompanhar e incorporar com naturalidade. Mas precisar sempre fazer novas escolhas e ganhar mais dinheiro para adquirir a novidade do momento é desgastante e nos coloca constantemente num ritmo acelerado e projetado para fora do momento presente, distantes, portanto, daquilo que temos e que podemos usufruir.

E aqui não estamos apenas no campo dos objetos a conquistar. Imposições do momento atual são também a respeito de status, relacionamentos, estilo de vida, sucesso, felicidade etc. em padrões quase sempre inalcançáveis para a maioria de nós.

Tudo isso nos desconecta de nós mesmas(os). Como nossa alma não rende lucros, ela não é ouvida. Renegada, resta a ela se expressar com as ferramentas de emergência e alerta de que dispõe: distúrbios, depressões, alterações de humor, temores e medos um tanto indefinidos, angústia e ansiedade.

Numa analogia, o que acontece é que estamos tentando adoçar o nosso café usando substâncias que não são doces. Acontece que se seguirmos adicionando sal, pimenta ou qualquer outro tempero em nossa xícara, tudo o que conseguiremos é nos afastar cada vez mais do paladar adocicado que buscamos.

Assim é também com nossa vida psíquica, subjetiva. Se o que nos incomoda é a ausência de amor, de pertencimento ou a falta de validação, não será a comida, o álcool, tampouco o celular novo ou um carro que irá reparar ou nos propiciar aquilo de que necessitamos.

Ainda que possamos colher algum prazer disso, ele é momentâneo e a dispersão de qualquer boa sensação que tenhamos alcançado é muito rápida. No lugar dela, logo nos deparamos novamente com o nosso vazio.

O fato é que a partir dessa confusão a respeito dos nossos verdadeiros anseios e necessidades, avançamos invariavelmente em direção a toda sorte de insatisfação e só criamos e recriamos estados de ansiedade.

Entrar em contato conosco, com o que de fato ansiamos, com aquilo que nos falta certamente não é uma opção fácil, porque muitos desses anseios foram guardados junto com memórias antigas e/ou carregam com eles algum nível de dor, frustração e decepções.

No entanto, é o único caminho. Do contrário, seguiremos atravessando a cidade, a rua, os dias tendo em vista apenas a nossa agenda e uma série de tarefas para cumprir e objetos a conquistar. Deixamos de ouvir a alma ali onde ela vive e, então, um dia após o outro nos levantamos para colher flores mortas.

Flores vicejam no jardim e no momento presente. A vida da alma também. Se aceitarmos as tarefas e desafios que ela nos coloca, certamente estaremos encarando as melhores tarefas e desafios da nossa vida e preparando colheitas melhores.

 

Importante: este artigo não pretende propor que os quadros de ansiedade têm soluções simples; se você não estiver conseguindo lidar sozinha(o) com uma situação desse tipo, não hesite em procurar ajuda profissional.

Iana Ferreira
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