Artigo para o Jornal d’Aqui, fevereiro de 2021

Quando eu era pequena não gostava nada de carnaval. As únicas lembranças que tenho são de fantasias que pinicavam, salões abafados e vontade de tomar sorvete do lado de fora. Foi a adolescência que Minas Gerais, nas várias viagens com os amigos, que me apresentou o sabor de um bom Carnaval. Muito suor, hormônios, salões e cachoeiras pra desaguar tudo isso e, daí, não teve jeito, fui fisgada pra dentro da folia!

Anos depois, com uma mudança para o Rio, o processo iniciático se completou na Marquês de Sapucaí, ainda com arquibancadas de ferro, montadas e desmontadas todos os anos e que balançavam horrores sob os nossos pés pulantes na passagem das escolas. Um medo que a gente nem sentia, que nem pinicava. Carnaval já tinha se tornado para mim só alegria.

Do mesmo jeito que nunca imaginei que iria gostar de Carnaval, nunca imaginei – como ninguém nunca imaginou, não é? –, que o Carnaval poderia ser cancelado no Brasil um dia. O feriado da maior festa popular do país suspenso? Quem poderia pensar nisso anos atrás?

E o fato é que cá estamos numa segunda-feira pandêmica com mais um sinal de que nossas vidas foram em parte suspensas e nada é como antes. Uma segunda-feira não carnavalesca com um leve espírito de carnaval plainando, mas com o trabalho acontecendo a todo vapor, sem folga.

Agora… se soubéssemos mais de história ou se a levássemos mais em consideração, teríamos em conta que isso e muitas outras incertezas e surpresas podem acontecer a todo e qualquer momento da vida.

O Carnaval mesmo já foi adiado em duas outras ocasiões nos séculos passados e talvez cancelado em 1918 por conta da gripe espanhola (há controvérsias; alguns historiadores contam que sim, outros que não). O fato é que nem essa instituição brasileira secular conseguiu ser inabalável.

Nada é, por mais que pareça – nem pessoas, nem situações, nem nossas maiores conquistas. E, diante disso, o fato é que, se passarmos a vida tentando manter as coisas numa estabilidade que elas não têm, ficaremos extremamente frustradas(os) e, pior, ansiosas(os). Não é bom que miremos nessa segurança fantasiosa, buscada na tentativa irrealista de controlar as coisas externamente. Ao invés disso, podemos mirar na construção de um outro tipo de segurança, paradoxalmente muito fluida, aquela que vem de saber que temos ou podemos desenvolver boas ferramentas/capacidades para enfrentar os problemas quando eles surgirem.

Isso tem a ver com uma famosa sabedoria budista que diz: se você vai andar pelo mundo, você pensa em cobrir todo o chão com couro ou você protege seus pés com bons sapatos?

Isso tem a ver também com não negar a realidade dos problemas quando eles se impõem. Se seguimos o fluxo das situações, enfrentando-as quando é preciso e desfrutando quando é o caso – coisa que em geral invertemos ou sobre a qual fazemos bastante confusão –, a vida segue com suas ondas naturais e nós não somos afogadas(os) por elas.

Cancelado ou não o carnaval de 1918, o fato bem noticiado é que o evento de 1919, pós-gripe espanhola e pós-primeira Guerra Mundial – pois é, já houve momentos bem piores do que o que estamos vivendo; imaginem uma pandemia e uma guerra ao mesmo tempo; já aconteceu! –, este carnaval pós-quase-fim-de-mundo foi de arrebentar, um carnaval histórico, que arrastou quem gostava e até quem não gostava pra rua, pros bailes, pra festa. Um carnaval em que o carioca inventou a caipirinha, os paulistas descobriram como relaxar as pressões do trabalho e brasileiros de todos os cantos exultaram por superarem uma crise pandêmica arrasadora.

Se já vivemos um tanto, conhecemos de muitos outros carnavais o quanto a vida nem sempre é perfeita e que às vezes sai do desfile, desliza e tomba ladeira abaixo. Aprendendo com a nossa história, individual e coletiva, sabemos que momentos desafiadores existiram e existirão sempre. E que com as providências e resistência adequadas de um momento, é possível voltar a festejar depois. Ondas da vida.

Que venham os carnavais futuros. Vamos fazer uma nova festa histórica logo que atravessarmos este momento tão desafiador. Os foliões que nos antecederam já conseguiram isso um dia. Nós também podemos! Até lá!

 

 

Iana Ferreira
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