Eu tenho, e uso, batom da Elke. A Maravilha.

 

Quando soube, duas décadas atrás, que um dos ícones midiáticos mais divertidos – e coloridos – dos anos 70 havia lançado uma linha de maquiagem, fui na onda do pensamento coletivo ao conjecturar como seria o catálogo. Bobagem. Os batons e lápis e sombras assinados pela tresloucada russo-alemã não transformavam ninguém em clones cabeludos, bocudos e extravagantes. Ao contrário. Eu que caíra na arapuca do imaginário coletivo.

 

Resisti por algum tempo. Um dia, comprei um batom na farmácia. “Só para experimentar”. Surpresa: muito bom. Há algum tempo, tiraram o ‘maravilha’ do nome Elke. Tolice. Ninguém diz uma coisa sem a outra. A força do personagem. Sujeito e predicado. Eternamente conjugados.

 

No meu toucador – acho linda essa palavra, ‘toucador’ – o batom da loira passou a ser vizinho de outro, um Dior. E depois daquele, comprado na surdina, vieram outros. Toucador tem que ser que nem município: várias classes sociais convivendo em paz.

 

A primeira vez que a colega de trabalho pediu o batom, no banheiro, depois do almoço, hesitei. Empresto ou não? Ela vai ver a marca. Explico? Respirei fundo, saquei-o da frasqueira. “Aqui está”. E fui logo dando a satisfação: “É da Elke Maravilha, mas é tão bom!”. Eu já devia saber: em boca fechada não entra mosquito.

 

Desenxabida, assisti, de canto de olho, a colega passar o batom. Analisei, secretamente, sua expressão diante do espelho. Encerrada a passação, ela apertou os lábios daquele jeito, devolveu-o e, laconicamente, disse: “Obrigada!”. Murchei. Só obrigada? Nenhum comentário? Um feedback? Eu precisava, com urgência, de uma validação. Por que foi que meti o ‘mas’ naquela frase, não sei até hoje. Quer dizer, sei.

 

A autoconfissão que não fiz: eu não desejava associar o meu makeup ao personagem Elke Maravilha, popular por definição. Senti vergonha, pronto. Muito embora Elke se localize numa sutil e complexa fronteira entre o popular e o refinado. Eu só não sabia disso. Soubesse, o episódio do banheiro não ecoaria tantos anos depois. Faltava-me, no entanto, um bocadinho de informação. E maturidade, aquela que apenas o tempo está autorizado a entregar.

 

Elke Maravilha é cool. Patrimônio da humanidade, ainda que somente da brasileira. E ela nem daqui é. Tirando Pedro de Lara, foi a mais emblemática jurada de Sílvio Santos. Do Velho Guerreiro, também. Eu, criança, não a decifrava direito. Nem precisava. Ela era, para mim, como a Branca de Neve ou a Bela Adormecida dos livros. Só que tridimensional. O que a tornava mais intrigante e interessante. Que Lady Gaga, que nada.

 

Lembrei da história porque hoje, ao me arrumar, fiquei entre o Dior e a Elke. Adivinha com quem saí sorrindo por aí.

 

Silmara Franco
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