Sobre a desaceleração possível nas festas de fim

 

Se você pudesse escolher um presente de Natal, qualquer presente, mas qualquer mesmo, o que seria?

 

Uma vez fiz essa pesquisa entre amigos e para minha surpresa parece que, quando abrimos as possibilidades para “qualquer presente, mas qualquer mesmo”, as pessoas – ao menos os meus queridos amigos – navegam em seus anseios e aportam em coisas bem pouco materiais. “Caraca, queria mesmo é me acalmar, ser feliz, estar em paz”, disse um. “Olhe, pra dizer bem a verdade, só queria férias longas e prazerosas, sem me estressar.” “Viajar pelo mundo, certamente. As viagens me transformam.” E por aí foram as respostas, de cujos detalhes pouco me lembro agora.

 

O fato é que o ser humano é um ser complexo. Temos noção da nossa finitude, da morte, guardamos lembranças, memórias carregadas de significados e afetos, e tudo isso nos faz viver em uma dimensão que não se contenta apenas com alimento, acasalamento, sexo, abrigo e só, as buscas do nosso nível mais animal. Há anseios maiores: felicidade, transformação, experiências significativas, amor, realizações subjetivas, família, amigos e por aí vai.

 

Ops. Mas parece que em algum momento caímos do trem e agora muitos de nós vagam a esmo, perdidos e atarantados, buscando realizar desejos num nível de onde não se pode extrair realizações muito plenas. Isso fica especialmente evidente nesta época de fim de ano. Aparece no movimento frenético e na tentativa extenuante de colocar nos embrulhos de Natal, naquelas caixas coloridas e brilhantes – geralmente lindas, por sinal – essas coisas inembrulháveis que são a realização dos anseios humanos supostamente mais profundos.

 

O que você gostaria de ganhar no Natal? Qual o seu real desejo neste momento da sua vida?

 

Fazer essa pergunta com calma e tempo para chegar a uma resposta mais verdadeira é essencial e muitas vezes libertador.

 

Em várias áreas, sabemos que um diagnóstico ou percepção equivocada de uma situação leva a resultados mais ou menos comprometedores, às vezes fatais. Isso vai de questões de saúde aos problemas de uma empresa, que se não forem bem identificados podem levar a falências desastrosas. Passa até mesmo por enxergar uma miragem no asfalto e saber ou não que aquilo é só uma ilusão de ótica enganadora nesses dias tórridos de verão adiantado.

 

Assim, tomar alguns momentos para se conectar com seus reais desejos ao chegar ao final de mais um ciclo anual pode ser um calmante poderoso por si só.

 

Então, quem sabe ainda dê tempo de preparar o seu real presente para este Natal? O que você deseja de fato? E seus filhos ou pessoas afetivamente importantes? O que almejam, do que precisam, o que esperam de você?

 

O carro, a casa, o perfume, a joia, o colar, o brinquedo, o computador novo, o jogo e assim por diante são passageiros. Estragam e perdem a graça antes mesmo das próximas festas de final de ano. Antes do próximo Natal a bicicleta estará encostada, o carro já estará ultrapassado por um modelo mais moderno e bonito, a roupa estará fora de moda. Essas coisas não duram. Se nos confundirmos neste ponto, estaremos nos lançando sobre a miragem no asfalto em busca de frescor, encontrando, ao invés disso, o seu oposto e podendo até mesmo nos queimar. É o que vem acontecendo ano após ano e não paramos para refletir sobre isso.

 

Se colocamos toda a nossa intenção e atenção no presente material, obviamente terminaremos exaustos, porque tentaremos sem sucesso encontrar algo maior e mais significativo, mais brilhante e mais caro, cada vez mais e mais, sem sucesso na tentativa de satisfazer anseios que não são da ordem material. Iremos abrir presentes já com o gosto acre de frustração, pela materialidade que é pura limitação da experiência humana e sem entendermos que presentes não são a felicidade em si.

 

Por outro lado, se carregarmos nossos presentes de afetos e intenções significativas, eles podem ser tornar símbolos, podem representar aquelas qualidades mais importantes do que é humano e que são nossos reais desejos: nossos vínculos, sentimentos, conquistas, intenções, apreços, paz, calma, descanso, realização, transformação e assim por diante.

 

Independente de religião ou de não termos religião, quando nos engajamos nos rituais de presentear no Natal, estamos reproduzindo a jornada empreendida por sábios do Oriente há milhares de anos, que seguiram uma estrela – também ela um símbolo, símbolo de sabedoria e iluminação – para render homenagens a um nascimento especial que acontecera na Terra. A criança que nascera não precisava dos presentes materiais que recebeu; na verdade, não precisava de presente algum. Aqueles homens é que, embora já sábios, precisavam da jornada e do gesto que fizeram.

 

Diante da magnitude do que a humanidade vivia naquele momento, os presentes materiais que levavam só podiam se tornar preciosos se possuíssem valor simbólico. E foi assim que carregaram até a criança a mirra, o ouro e o incenso, ou seja, a pureza, a realeza e a fé – não foi assim que aprendemos nas aulas de religião da escola?

 

Se nos conectarmos com isso, usufruiremos desses momentos de presentear no Natal com seu real sentido e sem ansiedade desmedida. Essa experiência poderá ser simples e descansada, porque estará muito mais voltada para o gesto e para o significado do que para o valor gasto no cartão de crédito, o tamanho do embrulho, as contas do próximo ano, que já começarão comprometidas. Não nos esgotaremos aos solavancos nos corredores dos shoppings ou brigando por compras na internet que não chegarão mais a tempo. Não anteciparemos o rito, chegaremos a tempo e com tempo para nos reunirmos com as pessoas, o que de fato importa em nossas vidas.

 

Abriremos os presentes no tempo certo, porque nosso maior presente será estar presente. É assim que boas lembranças se formam na vida. E estas sim são muito mais duradouras e nos satisfazem muito mais.

 

Que tal tentar diferente este ano?

 

Embrulha para presente? Sim, claro. Aquilo que é possível embrulhar merece um belo papel de presente, laços coloridos e lugar nas trocas generosas de final de ano. Celebremos. Celebremos com presentes e sentido.

 

Excelente final de ano a todas e todos!

 

 

Artigo para o Jornal d’Aqui, Granja Viana, Cotia, SP

Imagem: Milky Way, Larisa Aukon

 

 

Iana Ferreira
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