Artigo para o Site da Granja, agosto de 2021
Está bem fresca a história que motivou este artigo e compartilho: domingo, uma pessoa me ligou e perguntou o que eu estava fazendo ou iria fazer nas próximas horas, para podermos marcar algo. Embora eu estivesse com planos de escrever esse artigo ou estudar, imediatamente minha mente analisou se estas seriam boas respostas, se seriam atividades que representariam com dignidade que eu tinha uma ocupação, que estaria sendo produtiva, fazendo algo.
Por um instante, me peguei no modo produtividade e ocupação, detestando a ideia de parecer que não estava fazendo nada. Naquele segundo apanhei este pensamento do não posso “não fazer nada”, sorrateiro e nem por isso menos pernicioso, atravessando com seus passos firmes e truculentos a minha mente. Isso em pleno domingo!
Então, só me coube pensar: por que não podemos “não fazer nada”? Por que o descanso, a pausa, o ócio, a não produtividade em geral vêm carregados de culpa, cobranças e incômodos vários? Ainda que num domingo consigamos não nos cobrar a produtividade do trabalho cotidiano, em geral outras atividades assumem este lugar e seguimos precisando estar ativas(os), dinâmicas(os), eficientes, produtivas(os). Então, nesses momentos, pode ser que a atividade física, os cuidados com a casa e até o divertimento se tornem uma obrigação.
Por que isso é assim? Por que ou como a cobrança coletiva da produtividade nos invade tão facilmente?
Talvez o primeiro ponto seja identificar o que significa “não fazer nada”, esta dupla negativa, expressão comum na língua portuguesa, que não ganha sentido positivo, mas, ao contrário, apenas tem a negação reforçada. Ao que nos referimos quando dizemos “não estou fazendo nada”?
Pois quase tudo que chamamos de “não fazer nada” diz respeito a coisas que se referem ao nosso bem-estar, como o tempo de descanso, dormir, ler um livro, assistir a um filme ou série, contemplar uma paisagem ou qualquer outra atividade que não seja diretamente produtiva – no sentido capitalista do termo mesmo, vale dizer.
No entanto, momentos de quietude, de pausa e até de parada ou de inércia são essenciais em tudo na vida. Sem dormir, ficamos extremamente irritadiças(os) e nossa saúde física e mental aos poucos vai para o brejo. Campos cultivados precisam de descanso. Máquinas e motores precisam de descanso. E até mesmo órgãos vitais essenciais, como o pulmão e o coração também têm um ritmo que contém brevíssimas pausas, quase imperceptíveis, mas elas estão lá.
Então, é bastante estranho que nós, seres pensantes, tão inteligentes, não possamos parar. Mas algum motivo para isso existe…
Sem dúvida, o maior desafio da pausa, do silêncio e da quietude é o estar consigo. Simplesmente assim: estar consigo, sem nada além. Sem o preenchimento de um propósito, de afazeres e metas, sem planos, agenda e compromissos, sem momentos futuros. Apenas consigo como se é, no ponto em que se está.
Portanto, o “não fazer nada”, longe de ser algo sem valor é uma grande conquista. Para alcançá-la, obviamente é preciso de uma boa dose de satisfação interna, portanto, do prazer de ser uma boa companhia para si. Quando nos aquietamos, quando diminuímos ou paramos nossas atividades comuns, nós nos encontramos conosco. E, então, a pergunta é: gosto de quem encontro? Porque se não posso desfrutar desses momentos, isso só pode querer dizer que não gosto.
Infelizmente a cobrança moderna pela atividade produtiva constante nos arremessou ao grande engano de que o valor pessoal está nas coisas que fazemos. O cultivo e o foco nas demandas pessoais e interrelacionais ficou à sombra ou em completa escuridão. A grande armadilha é que produção não é tudo. E até mesmo a criação precisa de gestação e repouso – esta intensa atividade interna e silenciosa.
Assim, talvez mais correta fosse a expressão “fazer nada”, uma viva e ativa experiência de encontrar e ser quem de fato se é. Fica feito o convite de nos familiarizarmos com essa pessoa. Pode ser que descubramos coisas excelentes sobre ela – ou ao menos consigamos perceber importantes cuidados e atenção de que ela precisa. Bom “fazer nada” nos próximos tempos!
Imagem: Artem Beliakim
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