Sobre momentos gratificantes. Sobre nossa arte, haikais, poemas, sarau, amizade, reunião, comunhão, harmonia, criatividade.

[Haikais e sarau]

 

HAI – BRINCADEIRA  |  KAI – HARMONIA


 

parte do mini curso, haikais criados em conjunto, no momento, de improviso, cada pessoa uma linha, brincadeira em harmonia, literalmente, natural-mente:

 
Vento assoviando

Ouvidos atentos

Casa silenciosa

 
 

Pegadas na areia

Pássaro no ar

Onde estou?

 
Quase primavera

Já estou comendo

Amoras do chão

 
 
Brisa pela janela

Pele que arrepia

Ai-meu-deus!

 
Lua cheia no céu

Tentando perceber

O que a natureza é… e não é.
 

Ilustração de Roberto Negreiros para Hai-kai, de Mário Quintana

 

SARAU

do latim seranus/serum e do galego serao, refere-se ao entardecer, ao que é tardio ou que acontece no fim da tarde

um pouco do que partilhamos no fim da tarde do último sábado:

 
 

Desenho

 

Cecília Meireles

 

Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,
e comia mamão, e mirava a flor da goiaba.
E as lágrimas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras,
e as teias de aranha nas minhas árvores se entrelaçavam

Isso era um lugar de sol e nuvens brancas,
onde as rolas, à tarde, soluçavam mui saudosas…
O eco, burlão, de pedra, ia saltando,
entre vastas mangueiras que choviam ruivas horas.

Os pavões caminhavam tão naturais por meu caminho,
e os pombos tão felizes se alimentavam pelas escadas,
que era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas,
pois a vida completa e bela e terna ali já estava.

Com a chuva caía das grossas nuvens, perfumosa!
E o papagaio como ficava sonolento!
O relógio era festa de ouro; e os gatos enigmáticos
fechavam os olhos, quando queriam caçar o tempo.

Vinham morcegos, à noite, picar os sapotis maduros,
e os grandes cães ladravam como nas noites do Império.
Mariposas, jasmins, tinhorões, vaga-lumes
moravam nos jardins sussurrantes e eternos.

E minha avó cantava e cosia.
Cantava canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.
E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos
e palavras de amor em minha roupa escritas.

Minha vida começa num vergel colorido,
por onde as noites eram só de luar e estrelas.
Levai-me aonde quiserdes! – aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.

 

(Em: Mar absoluto)

 

Lira romantiquinha

 

Carlos Drummond de Andrade

 

Por que me trancas
o rosto e o riso
e assim me arrancas
do paraíso?

 

Por que não queres,
deixando o alarme
(ai, Deus: mulheres!),
acarinhar-me?
 

Por que cultivas
as sem perfume
e agressivas
flores do ciúme?
 

Acaso ignoras
que te amo tanto,
todas as horas,
já nem sei quanto?
 

Visto que em suma
é todo teu,
de mais nenhuma,
o peito meu?
 

Anjo sem fé
nas minhas juras,
porque é que é
que me angusturas?
 

Minh’alma chove
frio, tristinho.
Não te comove
este versinho?
 

 
(Em: Viola de Bolso – II)

Si alguien llama a tu puerta

 

Gabriel García Marquéz

 

Si alguien llama a tu puerta, amiga mía,
y algo en tu sangre late y no reposa
y en su tallo de agua, temblorosa,
la fuente es una líquida armonía.
 

Si alguien llama a tu puerta y todavía
te sobra tiempo para ser hermosa
y cabe todo abril en una rosa
y por la rosa se desangra el día.
 

Si alguien llama a tu puerta una mañana
sonora de palomas y campanas
y aún crees en el dolor y en la poesía.
 

Si aún la vida es verdad y el verso existe.
Si alguien llama a tu puerta y estás triste,
abre, que es el amor, amiga mía.

A bailarina

 

Cecília Meireles

 

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
 

Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá
 

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.
 

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.
 

Põe no cabelo uma estrela e um véu
e diz que caiu do céu.
 

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
 

Mas depois esquece todas as danças,
e também quer dormir como as outras crianças.
 

Passa uma borboleta

 

Alberto Caeiro

 

Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

 

(Em: Poemas de Alberto Caeiro).


 

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