Crise e bonança são antônimos, certo? Ou temos uma coisa ou outra, não é mesmo?

 

Numa primeira olhadela, é isso sim. Ou estamos em tempos de bem-estar, prosperidade, navegações em águas tranquilas, enfim, de bonança ou estamos em crise.

 

Estes dois estados aparentemente inconciliáveis podem ter, no entanto, uma ligação bem mais profunda do que imaginamos.

 

Vamos pensar como?

 

Uma crise, seja ela qual for – pessoal, financeira, emocional, existencial, profissional, num relacionamento, no trabalho, com os filhos… – acontece porque algo passa a ser ou a se mostrar insatisfatório. Correto? Ou o parceiro ou a parceira já não são mais tão encantadores como no começo ou fizeram algo que nos desagradou ou já não nos  colocam como o centro de suas vidas. O mesmo vale pros filhos, pros sócios e pras parcerias de trabalho, pros amigos: algum encanto se quebrou. Também acontece de o dinheiro ficar curto, o trabalho não dar mais prazer, a casa ficar grande ou pequena demais e assim por diante.

 

Tudo bem. Vejamos: qualquer crescimento, qualquer movimento, a vida enfim, sempre desacomoda o que estava estabelecido. Nada permanece para sempre igual. Então, o que era bom num momento pode ser bem insatisfatório em outro. O que dava prazer num dia, ops, mudou algo e logo ali já não dá mais. O que dava ares de muito bem estabelecido, sólido, estável, inquestionável pode acordar desabado no chão bem ao lado dos pés da sua cama. Surpresa? Nenhuma. Sempre que nos movimentamos é assim, uma dança de equilíbrios e instabilidades. Veja o andar. Um pé que se levanta para o próximo passo desacomoda tudo! Surge o desequilíbrio, um momento de incômodo, que pede o passo seguinte e o seguinte e o seguinte. Isso é movimento. E vida é movimento. Acabou o movimento, acabou a vida.

 

Então, sigamos.

 

O que acontece depois que o “desacomodado” surge? O que vem depois desse ponto de instabilidade e desequilíbrio? Se simplesmente seguimos adiante, achando boas soluções, dando os passos seguintes, não temos crise. O caminhar é natural, sem tropeços ou bloqueios. Só nos apercebemos do insatisfatório quando ficamos diante dele sem conseguir transformar a situação além do tempo natural para isso.

 

E por que não conseguimos transformar? Por que paramos e não damos os passos seguintes necessários? Basicamente há três motivos principais: ou temos medo ou estamos apegados em demasia ou simplesmente não sabemos o que ou como fazer. Em todos os casos, uma vez que consigamos atravessar a crise teremos cruzado a fronteira para um território novo, desconhecido. E falo aqui realmente do meu exclusivo ponto de vista: nunca acompanhei nenhum processo em que isso não tenha sido incrivelmente positivo.

 

Muito bem, sendo os medos mais complexos e cheios de artimanhas, e os apegos, grudentos em demasia, observemos o terceiro motivo. Quando não conseguimos avançar, muitas vezes é porque simplesmente nossos velhos recursos não são suficientes para resolvermos uma nova situação. Estamos sendo demandados a usar outras ferramentas, que muitas vezes nem sequer sabemos que temos ou não supomos ou não acreditamos que podemos ter ou desenvolver. Pronto, instalou-se a crise. E em geral sofremos.

 

Imagine uma criança que aprendeu a ficar de pé. Ela decididamente não irá parar por aí. Um impulso natural de desenvolvimento vai soprar em seus pezinhos fazendo com que ela imite as pessoas em volta e… ande! Ora, mas para isso há que se colocar em ação uma complexa rede de movimentos e alternâncias entre equilíbrios e desequilíbrios e muitos aprendizados novos precisarão surgir. E lá vai aquele ser engraçadinho aos trancos e barrancos se atirando em seu desenvolvimento. Não é fácil. Já passamos por isso. Mas a criança não hesita e aprende as habilidades novas.

 

Ótimo. Se você está vivendo alguma crise, é exatamente assim que pode começar a vê-la: querendo ou não, tendo planejado ou não, você se colocou de pé, tal como a criança, e agora enxerga o que não via antes. E está sendo instigado(a) a fazer algo que ainda não fez, andar.

 

Difícil?? Sua racionalidade já deve estar gritando que sim! Mas, veja, uma crise, um impasse é uma grande oportunidade. É estar diante do seu próprio desenvolvimento em gestação. Uma coisa bonita de se ver. Uma semente entra em crise para poder brotar. Uma lagarta, para se transformar em borboleta, também. Uma criança para andar… E não vemos lamúrias em nenhum desses casos. É preciso deixar de ser semente, de ser lagarta, de ser criança que apenas engatinha. E esse povo todo vai lá e faz. Simplesmente faz. Então, por que não…? Não se pode ser broto se não queremos deixar a condição de semente. Não dá pra ser lagarta e borboleta ao mesmo tempo. Uma criança jamais pensaria em não dar seus passinhos e andar. É irremediável seguir. Nada permanece igual por muito tempo.

 

Talvez neste momento você esteja sendo convocado a sair da acomodação e acreditar em seus sonhos ou esteja sendo provocado a se expressar, expressar sentimentos ou desejos que não podem mais ficar ocultados. Pode ser que precise enxergar um aspecto indesejável de um companheiro(a) ou sua falta de realização até então negada na profissão ou na não profissão, na dedicação a projetos de outras pessoas… Talvez precise fazer revelações, escolhas, tomar decisões, assumir territórios da vida que até aqui hesitou até mesmo visitar. Quem sabe não tenha que fazer revisões, reconsiderações delicadas.

 

Pode ser que você não saiba como se faz isso, talvez nunca lhe tenham ensinado a fazer ou, o que é pior, tenham até desestimulado você a agir dessas formas construtivas e mais livres. Tudo bem. Agora é com você. E isso é só dor de crescimento. Tem dor, mas tem crescimento. Logo ali na frente estará você, mais maduro(a), crescido(a), desenvolvido(a). A dor passa. O crescimento fica.

 

Assim é que bonanças são decorrências naturais de crises bem vividas e atravessadas. Não perca a oportunidade que uma boa crise traz. Não deixe que uma crise se transforme em ansiedade crônica, depressão ou qualquer outro adoecimento, acidente ou fatalidade. A travessia reserva boas surpresas. Apenas precisa ser feita.

 

Bons próximos passos por aí.

 
 
 

Iana Ferreira
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