Expressão que virou arroz de festa há alguns anos, a reeducação alimentar visita quase que qualquer conversa, a qualquer hora, em qualquer lugar. Muitas vezes chega até no rodízio de pizza ou no churrasco de domingo, com o acréscimo daquele comentário indulgente de que se pode comer de tudo, o importante é achar um equilíbrio (!). O arroz da festa neste caso seria integral, claro.

 

“Mas o artigo é sobre isso?” “Acho que li o título errado.” (…) “Não. Está escrito ‘afetiva’ mesmo”. “Ué…”

 

Tudo bem. Você está certa/certo. Vamos aos poucos, sem congestões. Já, já chegamos lá.

 

Reeducação alimentar é um processo que tem como objetivo mudar maus hábitos alimentares, instalados ao longo da vida. A principal finalidade é aprender a comer de forma correta e saudável, diminuindo ao máximo a ingestão de alimentos pobres em nutrientes por aqueles que oferecem vitaminas, minerais e outros componentes necessários para que o organismo funcione corretamente. Além disso, é preciso transformar essas trocas inteligentes em hábitos que farão parte da rotina diária.

 

Pronto. Agora temos o que precisamos para pensar nesta outra importante reeducação que podemos fazer para melhorar nossas vidas: a reeducação afetiva. Se a alimentar, aquela que cuida dos alimentos para o corpo físico, existe, por que não uma dos afetos, uma reeducação que cuide disso que nutre outras áreas da nossa vida?

 

E se nos habituamos a ingerir alimentos pobres, sem valor nutritivo, por razões um tanto estranhas, muitas vezes misteriosas mesmo, que tal pensarmos também naqueles sentimentos que ingerimos e nutrimos, também por hábito, sem que eles nos tragam benefícios aparentes e que, ao contrário, até nos prejudicam?

 

E hábito é uma coisinha bem grudenta, tipo mancha de óleo na roupa, graxa na mão, superbonder quando escorre no dedo… Há vários níveis de grude. E várias coisas grudáveis.

 

Em termos de sentimentos, medo gruda, apreensão vinda de cobranças diversas também. Autodesrespeito idem, autoindulgência, raiva, ressentimento, desconfiança, insegurança, não confiança em si, não amor por si, negligências, frustração, permissividade, culpa, vergonha também, também e também. E por aí vamos.

 

A repetição de situações que fazem com que nos sintamos assim ou assado e a repetição dos sentimentos em si – um ou outro ou vários deles – vai transformando estas entidades, os sentimentos, muito familiares para nós. Cada vez mais familiares e próximos. Cada vez mais. Até que um dia, puf, chegamos mesmo a nos esquecer de como era a vida sem eles – sem medo, sem autodesrespeito, sem cobranças desmedida, sem baixa autoconfiança… Lembra? Não. Pois é. Então, parece que a vida é inerentemente assim.

 

Bom, o açúcar, os refinados, a gordura ruim, o álcool e todas essas coisas que muitas vezes nem poderiam ser chamadas de alimento e que colocamos na mesa e de lá para dentro dos nossos corpos percorreram caminhos parecido. Experimentamos. Não necessariamente gostamos de início. Mas algo nos convida a repetir e repetir este consumo. Então, fomos nos habituando a isso. E de repente este “isso” – os alimentos pobres, os não alimentos, as substâncias prejudiciais –fica lá, fazendo parte tão integral da vida, que hoje nem sequer prestamos atenção ou questionamos essa presença.

 

E quando é que enfim questionamos? Quando adoecemos. Então, toca para o especialista.

 

Encurtando o caminho, o adoecimento afetivo também é assim e um pouco mais. Ele é ainda mais capcioso. Astuto, ele se instala e usa de muitos disfarces para parecer que faz parte de nós. Quando enfim, lá num ponto do caminho, se mistura com a nossa identidade, aí definitivamente parece fazer parte da gente. E então fica em casa, muito folgadamente se espalha no sofá e estica as pernas na mesinha de centro, onde empurra de lado aqueles objetos e lembranças que mais amamos.

 

Este é o momento em que passamos a achar que somos ansiosos, que somos preocupados, que somos medrosos, agitados, indecisos e sei lá quantas coisas mais. É o momento em que passamos a pensar nisso como parte da nossa natureza e, portanto, passamos a nutrir com convicção imagens equivocadas a respeito da nossa vida e de nós mesmos.

 

Mas isto não é assim! Vamos refletir… Não é!

 

Veja: busque sua lembrança mais antiga de infância. Pode ser no álbum de fotografias, no álbum de memórias guardadas ou mesmo na imaginação. Olhe para você bebê, criança. Certamente os afetos negativos não estavam lá. Estavam? Talvez não todos, ao menos. Certamente não tão acoplados quanto tempos depois, à medida que se tornaram mais íntimos, que passaram a visitar sua casa, seu sofá, seus dias, com mais frequência.

 

Pois é, eles não são uma parte nossa, tal como os braços, as pernas, pulmões, coração.

 

Dia desses vi uma cena linda. Uma amiga se abaixou para conversar com o filhinho que estava numa bela crise de choro e birra porque queria demais um brinquedo que não podia ter. Ali abaixada, junto dele, falou sobre os sentimentos que o inundavam: – Querido, você está sentindo raiva por não poder ter o brinquedo, não é? E lá entabularam uma linda conversa, ainda sob as lágrimas quentes do pequerrucho, uma conversa íntima e delicada a respeito do que ele estava sentindo. E neste momento ele prestou atenção em si. Era o bastante.

 

Quer começar por algum lugar sua reeducação afetiva? Então, pode ir por aí também. Um bom primeiro passo é justamente identificar, dar nomes ao que se sente. “Estou me sentindo frustrada com esta situação.” “Nossa, estou com um baita medo de enfrentar isso.” “De novo estou me sentindo desrespeitada permitindo que isso aconteça.”

 

Pode parecer simples demais… E é! Quem disse que simplicidade é ruim, ineficiente, insuficiente? Já tomou chá de pitanga quando está com dor de barriga? É mágico. E café com bolo quando está precisando de aconchego? Fantástico! E são coisas simples.

 

Quando simplesmente identificamos os sentimentos, nós nos desidentificamos deles. O sentimento se chama, por exemplo, “culpa”, eu me chamo “Iana”. Se “culpa” e “Iana” fossem a mesma coisa ou entidade, para onde iria a Iana nos momentos em que não está se sentindo culpada? Voilà. Existo sem culpa, sem medo, sem frustrações, sem preocupações. Se isso já foi assim, se pode ser assim eventualmente, então, não são parte inerente minha. Se fossem eu desapareceria quando elas desaparecessem. E não é o que acontece.

 

Ótimo! É fazendo essa identificação simples, separando e discriminando sentimentos, que nós nos separamos deles. E separando podemos olhá-los. E olhando podemos ver o que serve ou não. Um primeiro passo, certamente um primeiro passo importante, que quebra a força do hábito e do automatismo. Um afastamento necessário para enxergarmos melhor.

 

Se nunca aconteceu de seus pais, professores, adultos à sua volta se abaixarem e ficarem pertinho de você, acolhendo seus sentimentos, sem medo daquela expressão espontânea e autêntica e ajudando você a identificar o que sente, como sente e o que pode fazer de melhor com aquilo, a fim de nutrir sua vida de alimentos necessários, ao invés de simplesmente engolir o que não é bom e sem digerir, bom, se você não teve este privilégio, faça isso agora com você.

 

São os primeiros passos. É certo que outros precisarão vir.

 

A principal finalidade é aprender a comer de forma correta e saudável, diminuindo ao máximo a ingestão de alimentos pobres em nutrientes por aqueles que oferecem vitaminas, minerais e outros componentes necessários para que o organismo funcione corretamente. Além disso, é preciso transformar essas trocas inteligentes em hábitos que farão parte da rotina diária.

 

Depois que experimentamos o começo desta caminhada, ficamos mais livres para descobrir o que vem a seguir.

 
 

Iana Ferreira
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