Abro a embalagem dos lençóis novos. Preciso registrar o momento: será a primeira e última vez que verei o lençol de baixo, com elástico, dobrado à perfeição. Daqui para frente, ele deixará de ser uma comportada roupa de cama para se tornar um ser rebelde. Como se houvesse passado por uma mutação, um extreme makeover do seu DNA têxtil, ele adquirirá vida própria e jamais se deixará dobrar novamente do jeito que saiu da fábrica.

 

Indomável, o lençol com elástico já tem artigos, vídeos e tutoriais desenvolvidos só para ele, na promessa de ensinar a população a lidar com o pano selvagem. Em breve, será tese de mestrado de alguma desperate housewife. Os vídeos, com ares de ficção científica, trazem instruções que só dão certo nas mãos de quem os elabora. Fazer origami é mais fácil. Resultado: ele acaba, sob os piores impropérios, indo para o armário de qualquer jeito, amarfanhado, dobrado como dá. Capaz de fazer tanto volume quanto um edredon. É a redenção das arrumadeiras e, ao mesmo tempo, a melhor tradução do “tudo tem seu preço”.

 

Lembro da minha mãe arrumando as camas em casa. Um dia, cansada de ver os lençóis de baixo saírem do lugar, deu um pequeno nó nas suas pontas. A embrionária técnica fazia certo volume no colchão, mas garantia uma boa noite de sono sem o indesejado deslocamento do lençol. Outra dona de casa atarantada, habilidosa em conciliar as diversas atividades do lar, mas inconformada com o desaforo dos seus lençóis, teve a mesma ideia e a aperfeiçoou. O que me leva a crer que o lençol com elástico foi inventado, na verdade, pela Mulher-Elástica.

 

Mulheres são multitarefas por natureza e guardam em si o arquétipo dessa heroína. O vigor da elasticidade feminina parece ter seu ápice na gestação, quando o corpo se expande para acolher o novo hóspede do planeta, o útero alcança o coração e vai além dele. Para depois, retornar ao normal. (Alguns, nem tanto.)

 

O mundo vive pondo à prova uma Mulher-Elástica. Esticam sua paciência, querem ver até onde ela aguenta. Pensam que ela tem infinitas propriedades elásticas. Talvez não.

 

O que me faz uma legítima Elastigirl é poder assumir a forma que eu quiser: de mãe zelosa (às vezes, rabugenta), de esposa fora do padrão, de costureira aprendiz, de vizinha camarada. Ou de bruxa má.

 

Demonstro meu superpoder de várias maneiras. No carro, ao dar o lenço de papel para a caçula no banco de trás, que espirrou e está aterrorizada diante da própria meleca. No shopping, quando o filho quer que eu veja uma vitrine que ficou para trás. Em casa, flexibilizando as ideias para compreender as razões da faxineira não ter vindo no dia combinado. Estendendo o dia, só para terminar o trabalho no prazo.

 

Sinto, porém, que ando meio gasta; já não consigo voltar tão facilmente à minha forma original. Minhas velhas crenças, de tão distendidas, estão quase todas deformadas. Mas numa coisa o lençol com elástico e eu somos parecidos: também sou difícil de dobrar.

 

Silmara Franco
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