Ouça a história (gravação de Iana Ferreira):

 

 
 

Era uma vez um homem que vinha cortejar duas irmãs gêmeas.

 

— Você não poderá se casar com elas a não ser que consiga adivinhar seus nomes — dizia, porém, o pai das moças.

 

Manawee tentava e tentava, mas não conseguia adivinhar os nomes das irmãs.

 

O pai das moças abanava a cabeça e mandava Manawee embora todas as vezes. Um dia Manawee levou seu cachorrinho junto numa visita de adivinhação, e o cachorro percebeu que uma irmã era mais bonita do que a outra e que a outra era mais delicada do que a primeira. Embora nenhuma das duas irmãs possuísse todas as virtudes, o cachorrinho gostou muito delas porque elas lhe deram petiscos e sorriram olhando fundo nos seus olhos.

 

Também naquele dia Manawee não conseguiu adivinhar os nomes das jovens e voltou irritado para casa. O cachorrinho, porém, voltou correndo para a choupana das irmãs. Ali ele enfiou a orelha por baixo de uma das paredes laterais e ouviu as moças dando risinhos e falando sobre como Manawee era bonito e másculo. Enquanto falavam, as irmãs se chamavam mutuamente pelo nome, e o cachorrinho, tendo ouvido, voltou correndo com a maior velocidade possível para seu dono para lhe passar a informação.

 

No caminho, porém, um leão havia deixado um grande osso ainda com carne perto do caminho, e o minúsculo cachorrinho sentiu imediatamente o cheiro, não pensou em mais nada e se desviou mato adentro arrastando o osso. Ali, ele lambeu e mordiscou o osso com grande prazer até que todo o sabor desapareceu.

 

Ah! O pequeno cãozinho de repente se lembrou da tarefa esquecida, mas infelizmente ele também havia esquecido os nomes das moças. Por isso, ele correu de volta à choupana das gêmeas e dessa vez já era de noite e as jovens estavam passando óleo nos braços e pernas uma da outra e se arrumando como se fossem para uma festa. Mais uma vez o cãozinho as ouviu chamando-se mutuamente pelo nome. Ele deu pulos de alegria e estava correndo pelo caminho
afora na direção da choupana de Manawee quando do meio do mato veio o aroma de noz-moscada fresca.

 

Ora, não havia nada que o cachorrinho adorasse mais do que noz-moscada. Por isso, ele se desviou um pouco do caminho e correu para o lugar onde uma bela torta de laranjas estava esfriando em cima de uma tora. Bem, logo a torta já não existia mais, e o cachorrinho tinha um adorável hálito de noz-moscada. Enquanto trotava de volta para casa com a pança cheia, tentou pensar nos nomes das moças, mas, mais uma vez, ele os havia esquecido.

 

Finalmente, o cachorrinho tornou a voltar correndo até a choupana das irmãs, e dessa vez as irmãs estavam se preparando para se casar. “Ah, não!” pensou o cachorrinho, “quase não tenho mais tempo.” E, quando as irmãs se chamaram pelo nome, ele guardou os nomes na mente e saiu em disparada, com a determinação resoluta e absoluta de que nada iria impedi-lo de transmitir os preciosos nomes a Manawee imediatamente.

 

O cãozinho vislumbrou caça pequena recém-morta no caminho, mas a ignorou e saltou por cima dela. Por um instante, pareceu-lhe sentir o aroma de noz-moscada no ar, mas ele o ignorou e preferiu continuar correndo na direção da sua casa e do seu dono. No entanto, ele não contava com a possibilidade de um estranho de negro saltar do mato, agarrá-lo pelo pescoço e sacudi-lo ao ponto de seu rabo quase cair. Pois, foi o que aconteceu.

 

— Diga-me aqueles nomes! Diga-me os nomes das moças para que eu as possa conquistar — gritava o estranho o tempo todo.

 

O cãozinho achou que ia desmaiar com aquele punho lhe apertando o pescoço, mas lutou com bravura. Ele rosnou, arranhou, esperneou e, afinal, mordeu o estranho entre os dedos. Os dentes do animal picavam como vespas. O estranho berrava como um búfalo-da-índia, mas o cãozinho não o soltava. O estranho correu pelo mato adentro com o cãozinho pendurado numa das mãos.

 

— Solte-me, solte-me, cãozinho, e eu o soltarei — implorou o estranho de negro.

 

— Não me volte por aqui — rosnou entre dentes o cãozinho — ou não verá mais a luz do dia. — E assim o estranho fugiu pelo mato, gemendo enquanto corria. O cachorrinho prosseguiu meio mancando, meio correndo, pelo caminho até encontrar Manawee.

 

Muito embora seu pelo estivesse sujo de sangue e suas mandíbulas doessem, os nomes das jovens estavam bem nítidos na sua mente, e ele se aproximou de Manawee, claudicante, mas feliz da vida. Manawee lavou os ferimentos do cãozinho, e este lhe contou toda a história assim como o nome das moças. Manawee correu de volta até a aldeia das moças com o cachorrinho nos ombros, e as orelhas do cachorro dançavam ao vento como rabos de cavalos.

 

Quando Manawee chegou até o pai com os nomes das filhas, as gêmeas receberam Manawee completamente vestidas para viajar com ele. Elas haviam estado à sua espera o tempo todo. Foi assim que Manawee conquistou duas das donzelas
mais belas da região. E todos os quatro, as irmãs, Manawee e o cãozinho, viveram juntos em paz por muito tempo.

 

Krik Krak Krout, now this story is out. Krik Krak Krun, now this story is done.

 

“Só para ter certeza de que o sim/ é um sim definitivo/ eu lhe pergunto de novo/ e de novo, de novo, de novo.”
Canção infantil na Jamaica, que pode ser remanescente da história de Manawee.

 

Versão do conto apresentada por Clarissa Pinkola Estés, no livro Mulheres que correm com os lobos, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2014.

 

Este será o conto utilizado na próxima Roda de Conversas da Entretexto, na Ulabiná, Granja Viana, no próximo dia 28 de março:

 

 

Todas e todos muito bem-vindos!

 

Imagem do post: Katrina Leah

Entretexto
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