UMA CRÔNICA A QUATRO MÃOS

 

O site está de cara nova, viram? E querem ouvir uma história bacana, a quatro mãos, de como coisas boas acontecem pelo mundo? Então, senta que é inspirador.

 

Depois de um momento inicial da Entretexto, com site funcionando, bateu a vontade de mudar as fotos das páginas. Comichões de transformação e desenvolvimento. Eu, Iana, vislumbrei composições com uma máquina antiga. E lembrei-me de um grupo do Facebook onde as pessoas divulgam e solicitam trabalhos, serviços e produtos. Fui lá e perguntei se alguém tinha uma máquina, podia ser para alugar.

 

Corta. Muda o plano. Segue o texto da Silmara Franco, que continua pra nós essa história:

 

“Um dia, abri o Facebook e vi a notificação: ‘Fulano adicionou você ao grupo fechado tal’.

 

Como os amigos costumam me por aqui e ali, fui ver do que se tratava. Era, na descrição oficial, uma rede afetiva, com a nobre proposta de as pessoas se ajudarem mutuamente, pessoal ou profissionalmente, qualquer que fosse a necessidade; bastava postar o que se estava precisando no momento, e a ajuda vinha.

 

Como eu não estava precisando de nada, nem via oportunidade de ajudar alguém, fiquei quietinha no meu canto e passei a ler alguns posts. A cada história, a cada pedido, uma chuva de respostas com apoio, carinho, informação, dicas, troca de experiências. Isso me intrigou: nesse grupo as pessoas se importam umas com as outras, se ajudam, são gentis, promovem conexões. Enfim, a vida como ela sempre deveria ter sido. É de verdade, mesmo?

 

Continuei quietinha.

 

Até que vi o post de uma moça chamada Iana Ferreira. Ela precisava de uma máquina de escrever antiguinha, para um trabalho. Minha vez de levantar a mão – eu tenho uma.

 

A máquina, uma Underwood, foi presente de um namorado, garimpada num antiquário em Santana de Parnaíba, em 1992. O namoro terminou, o tempo passou e a máquina, apesar de ser meu xodó, acabou guardada. Há alguns anos decidi que não era justo deixar essa relíquia escondida. E a Underwood foi para a sala, em lugar de honra. Nunca a restaurei, no entanto. A fita apodreceu, as teclas travaram. Ficou só de enfeite.

 

Mas a Iana gostou dela mesmo assim. Quis saber quanto eu cobraria pelo empréstimo. Confesso que não vi sentido algum em botar preço na coisa. Combinamos a logística e lá foi a Underwood, passar uns dias na casa dela, em outra cidade. Foi fotografada, paparicada. Feito uma top model.

 

Se alguém perguntar se tive receio de emprestar algo tão valioso para uma pessoa que eu sequer conhecia, nem tinha o endereço, a resposta é não. Confiei. ‘A vida como ela sempre deveria ter sido’, lembram?

 

Eis que a recebo de volta e… surpresa!

 

Foto: Silmara Franco

 

Sem que eu soubesse, em retribuição ao empréstimo, a fofa da Iana e o amigo dela, o Marcio (que só pode ser um anjo), haviam providenciado os reparos que a máquina precisava. Ela tomou banho, ganhou lubrificação e fita nova. As teclas foram limpas (agora sei que algumas são verdes!), os controles ajustados. A máquina está brilhando e funcionando! E seus tipos são tão bonitos no papel…

 

Fiquei emocionada, e desconfio que para sempre. Uma simples atitude – emprestar algo a alguém que precisa – se transformou em uma experiência de confiança, generosidade e gratidão.

 

Então eu entendi de vez qual é a do tal grupo. Uma rede afetiva que pode mudar o mundo. E quer saber? Vai mudar mesmo.

 

Eu precisava contar isso para as pessoas.”

 

Do lado de cá, só podemos dizer que nada disso poderia ter sido diferente.

 

A primeira pessoa a responder ao meu post foi a Silmara, e quando vi a foto da Underwood dela aconteceu uma revolução em mim: era aquela máquina, ainda mais bonita do que a da minha imaginação. Mas estava em Campinas. Então, a minha filha apoiou a empreitada e trouxe a máquina numa vinda de lá. Enquanto isso, eu acertava um ensaio fotográfico num outro grupo bacana de trocas entre meninas. Dia das fotos. Fez sol em meio àquela temporada generosa de chuvas em São Paulo em janeiro. Luz linda, filtrada, no meio de plantas. Trabalho cuidadoso e generoso da Cassandra Mello.

 

Com tudo isso, eu sabia que o mínimo que podia fazer era revitalizar a máquina. Meu amigo Marcio topou a proposta na hora e deixou a Underwood brilhando, desoxidada, funcionante, tudo com muito carinho. E ainda achou uma fita nova para ela nos guardados da família!

 

Quando tive que me despedir da Underwood, percebi que já tinha um pouco de apego por ela. Mas era preciso seguir. E ela deixa uma história muito bacana de contar e relembrar. E novas conexões felizes. O que podemos dizer a todos que compuseram essa mais que agradável crônica do cotidiano? Com muita intensidade e verdade, isso:

 

Foto: Silmara Franco

 

Silmara Franco é paulistana da Mooca. Publicitária, escritora e blogueira (https://fiodameada.wordpress.com/). Vive em Campinas com a família e a gataiada.

 

Iana Ferreira é coordenadora da Entretexto.

 

         

 

Este texto expressa de forma muito especial o espírito da Entretexto. É com ele que seguimos com as nossas atividades, publicações e propostas.

 

Foto de capa do post: Cassandra Mello

Frase da foto: Clarice Lispector

 

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