O mais bonito no presépio instalado na sala de casa, quando eu era criança, não era a manjedoura. Nem José, nem Maria, nem as vaquinhas fungando atrás do berço improvisado. Não era nem o Menino Jesus, para ser honesta. O mais interessante no presépio era o laguinho, feito com um pedaço de espelho.

 

Quando as peças eram desencaixotadas, após longo exílio no armário desde o Dia de Reis, minha maior preocupação era se o espelho estaria intacto. Temia que houvesse quebrado. Mas alguém estendia o pano verde de cetim e o cenário natalino ia sendo produzido. Reis magos surgiam ao lado de camponeses, ovelhas. A neve de isopor dava o ar da graça em meio ao morno dezembro. O lago era desembrulhado. O Natal estava garantido.

 

Eu brincava com a serragem em volta dele, imitando terra. Assim, dava contornos diferentes à lagoinha, todos os dias. Ora colocava o carneirinho tomando água numa margem, ora na outra. Alterava a órbita dos personagens, mudava os patos de lugar. Eu não queria saber de nascimento, eu já tinha um Natal só meu; era esse o nome da minha rua. E eu só queria saber do espelho. Tal um índio encantado diante das bugigangas que o homem português traria ao nosso continente, tantos anos depois daquela noite feliz. Tal a rainha má e perguntadeira, obcecada pela própria beleza. Tal Narciso, o moço autoapaixonado. Mas eu não era nenhum deles; era uma menina, que via importância no desimportante.

 

Por isso, hoje tento prestar bastante atenção aos olhos dos meus filhos quando admiram um presépio ou falam de Natal. Que é para descobrir qual fotografia particular, do nascimento mais icônico do planeta, eles levarão consigo vida afora. Quais lembranças, quando adultos forem, lhes serão mais líquidas. Feito a água, imaginária e doce, que se entregava ao velho espelho, espelho meu.

 

Imagem: Alex Levin

Silmara Franco
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