A entrevista foi concedida em 19 de abril de 1969. Seguem-se as perguntas de Clarice e as respostas redigidas por Neruda:
C: Você se considera mais um poeta chileno ou da América Latina?
N: Poeta local do Chile, provinciano da América Latina.
C: Escrever melhora a angústia de viver?
N: Sim, naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial. Senão é infernal.
C: Quem é Deus?
N: Todos algumas vezes. Nada, sempre.
C: Como é que você descreve um ser humano o mais completo possível?
N: Político, poético. Físico.
C: Como é uma mulher bonita para você?
N: Feita de muitas mulheres.
C: Escreva aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento?
N: Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos?
C: Em que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?
N: Acredite-me tolo ou patriótico, mas eu há algum tempo escrevi em um poema: Se tivesse que nascer mil vezes. Ali quero nascer. Se tivesse que morrer mil vezes. Ali quero morrer…
C: Qual foi a maior alegria que teve pelo fato de escrever?
N: Ler minha poesia e ser ouvido em lugares desolados: no deserto aos mineiros do norte do Chile, no Estreito de Magalhães aos tosquiadores de ovelha, num galpão com cheiro de lã suja, suor e solidão.
C: Em você o que precede a criação, é a angústia ou um estado de graça?
N: Não conheço bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.
C: Diga alguma coisa que me surpreenda.
N: 748. (E eu realmente surpreendi-me, não esperava uma harmonia de números)
C: Você está a par da poesia brasileira? Quem é que você prefere na nossa poesia?
N: Admiro Drummond, Vinícius, Jorge de Lima. Não conheço os mais jovens e só chego a Paulo Mendes Campos e Geir Campos. O poema que mais me agrada é o “Defunto”, de Pedra Nava. Sempre o leio em voz alta aos meus amigos, em todos os lugares.
C: Que acha da literatura engajada?
N: Toda literatura é engajada.
C: Qual de seus livros você mais gosta?
N: O próximo.
C: A que você atribui o fato de que os seus leitores acham você o “vulcão da América Latina”?
N: Não sabia disso, talvez eles não conheçam os vulcões.
C: Qual é o seu poema mais recente?
N: “Fim do Mundo”. Trata do século 20.
C: Como se processa em você a criação?
N: Com papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita.
C: A crítica constrói?
N: Para os outros, não para o criador.
C: Você já fez algum poema de encomenda? Se não o fez faça agora, mesmo que seja bem curto.
N: Muitos. São os melhores. Este é um poema.
C: O nome Neruda foi casual ou inspirado em Jan Neruda, poeta da liberdade tcheca?
N: Ninguém conseguiu até agora averiguá-lo.
C: Qual é a coisa mais importante no mundo?
N: Tratar para que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas.
C: O que é que você mais deseja para você mesmo como indivíduo?
N: Depende da hora do dia.
C: O que é amor? Qualquer tipo de amor.
N: A melhor definição seria: o amor é o amor.
C: Você já sofreu muito por amor?
N: Estou disposto a sofrer mais.
C: Quanto tempo gostaria você de ficar no Brasil?
N: Um ano, mas depende de meus trabalhos.
Clarice encerra suas observações sobre a entrevista escrevendo:
“E assim terminou a entrevista com Pablo Neruda. Antes falasse ele mais. Eu poderia prolongá-la quase que indefinidamente. Mas era a primeira entrevista que ele dava no dia seguinte à sua chegada, e sei quanto uma entrevista pode ser cansativa. Espontaneamente, deu-me um livro, Cem Sonetos de Amor. E depois de meu nome, na dedicatória, escreveu: ‘De seu amigo Pablo’. Eu também sinto que ele poderia se tornar meu amigo, se as circunstâncias facilitassem. Na contracapa do livro diz: ‘Um todo manifestado com uma espécie de sensualidade casta e pagã: o amor como uma vocação do homem e a poesia como sua tarefa’. Eis um retrato de corpo inteiro de Pablo Neruda nestas últimas frases.”