A cama dos pais é um ímã invisível muito poderoso para as crianças. Ele é feito de segurança, carinho, proteção, alegria e um tanto de magia. Tem bastante mistério lá também, este lugar onde duas pessoas, os dois adultos mais significativos da vida, se recolhem, dormem juntos, talvez se aninhem ou talvez conversem longas horas ou talvez discutam ou talvez… ou talvez… A criança não sabe até certa época. Depois dará nomes para o que ouve dizer que acontece lá: sexo, amor e lá se vai mais um monte de fantasias, porque a experiência disso ainda não deve existir para os pequenos.

 

Em certas famílias, pode ser também que essa cama seja ocupada por uma única pessoa ou, ainda, que receba visitas, um novo parceiro ou parceira. O fato é que em todas as situações este é sempre um lugar de atração irresistível. É o lugar para onde se quer ir antes de dormir e lá ficar. É também o lugar para onde se vai quando o medo assusta o sono no meio da noite. Ou é ainda o lugar para onde se pula o mais cedo possível para avisar que o dia começou e que há tanto a fazer, inclusive ficar ali, aninhando-se simplesmente.

 

Na verdade, a mágica cama dos pais é um lugar atemporal, uma espécie de paraíso, o espaço do sono e do inconsciente. É útero, simbiose uterina, lugar de regressão, de abraço aquecido, berço de passarinhos, de sonhos e fantasias.

 

Saudavelmente, a cama dos pais é sim lugar-ninho de visita dos filhos, de reunião familiar de pijama, de acolhimento, de se ler um livro antes de dormir, de conversas e histórias, de receber o susto e o choro do meio da noite de vez em quando, até de poder ficar por uma noite inteira num momento mais dramático da vida, num dia em que algo forte demais aconteceu – vai de cada família encontrar e dar essa medida para a estadia na cama dos pais e até mesmo optar pela cama compartilhada nos primeiros estágios da vida.

 

Ainda assim, é importante que este continue sendo sempre o lugar dos pais, do casal, dos adultos – ou da mãe, do pai sozinhos, ou deles com seus novos parceiros. E a criança terá seu próprio lugar, com sua identidade e cores. A cama dos pais não deveria nunca ser lugar para se ir de mudança definitiva nem para temporadas longas demais ou que vão se esticando indefinidamente.

 

Neste quesito, adultos precisam de privacidade e de reabastecer energias. E crianças precisam enfrentar suas tarefas de vida, como descobrir seu próprio espaço e tamanho na família, aprender limites, enfrentar medos, mudanças, crises, frustrações e outros tantos desafios. Crianças precisam enfrentar a separação para então conseguirem enfrentar a grande tarefa de ser quem se é. A depender da idade, crianças também precisam de privacidade para essas suas descobertas.

 

No entanto, cada vez encontramos mais relatos de filhos ocupando a cama dos pais e até de pais ou mães que deixam seu lugar de intimidade e conforto cedendo à tirania de suas próprias inseguranças ou dos filhos, às vezes ainda muito pequenos. Nenhum medo, ansiedade noturna ou carência justifica essa ocupação indevida prolongada. Nenhum choro pode ser arma para se ganhar essa batalha.

 

Não estou aqui combatendo decisões conscientes numa ou noutra possível direção, mas procurando lançar um olhar para as situações que decidem por nós, onde vagamos pensando fazer escolhas, quando na verdade há muito perdemos o controle. O termômetro são as sensações e, em especial, as reações das próprias crianças.

 

Voltemos à cama… Se é preciso ajudar um filho ou filha num momento difícil, o lugar para se fazer isso pode muito bem ser o quarto dele ou dela, junto à sua cama, seu espaço de fantasias e elaborações, de sonhar e de enfrentar seus próprios pesadelos. Pais não podem viver a vida de seus filhos. Não se pode trilhar a estrada de ninguém, por mais amor que exista. Não se pode entrar em pesadelos e angústias que são dos outros. Não é possível poupar ninguém de uma tarefa pessoal. O que se pode fazer é percorrer a própria estrada, com noites às vezes alegres, às vezes angustiantes ou solitárias, enfrentando nosso próprio travesseiro, emaranhado de lençóis e assim por diante, para depois podermos nos valer dessas experiências, aconselhar ou rezar junto quando for o caso e, principalmente, conseguir ouvir e estar ao lado, conscientemente. A maior proteção que os pais podem oferecer é propiciar o fortalecimento e o aprendizado de seus filhos a respeito de como enfrentar as noites da vida.

 

Quando não se está dando conta, melhor buscar o quanto antes ajuda ou orientação, inclusive profissional eventualmente. Para as noites em casa, fica a incumbência de preparar um chá, escolher um bom livro, deixar uma luz suave ao lado da cama e povoar a mente e o coração de todos com belas histórias sanativas… na cama dos pais, pode ser, para logo depois as crianças irem construir o aconchego de suas próprias camas e a jornada que a vida inevitavelmente lhes coloca, enquanto os adultos voltam para suas próprias jornadas, sem negá-las com o que lhe é alheio, sem trocar posições e sem fugir para a cama dos próprios filhos, a quem imaturamente entregam as funções do amor e do cuidar.

 

Boas noites pela frente!

 

Ilustração: Rebecca Rebouché

 

Iana Ferreira
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